Dos mistérios do MISTÉRIO

#PALAVRAJOVEM  Série de crônicas  por Severino Rodrigues

misterio

De onde surgiu a ideia? Como você reuniu tudo isso? Haja criatividade!

Quem escreve, já ouviu alguma dessas três frases de amigos, parentes ou leitores. E todo escritor tem uma resposta mais ou menos parecida para cada uma delas. As variantes modificam de acordo com a obra em questão.

No meu caso, vou responder às duas perguntas, comentando um pouquinho sobre o processo criativo do meu segundo juvenil publicado: “Mistério em Verdejantes” (Cortez Editora, 2015).

Para começo de conversa, é preciso falar que a ideia é mais antiga que a do “Sequestro em Urbana”. Isso mesmo! Lá em meados de 2008, quando eu ainda só imaginava a possibilidade de levar a sério a ideia de ser escritor, tive uma inspiração bastante absurda. E se alguém começasse a roubar as folhas das árvores? Seria, no mínimo, instigante esse mistério em um livro para adolescentes. Talvez um tanto inusitado também. Decidi, então, que não iniciaria exatamente com ele, mas com uma narrativa policial mais clássica.

Mas, desse período, guardei três certezas. Escreveria essa história das árvores; não queria que fosse o primeiro livro de uma série ou uma continuação, mas volume único; e queria abarcar as discussões ecológicas de modo não didático. Aqui, se faz necessário um parênteses. Para quem ainda não sabe, quando eu estava no terceiro ano do ensino médio, fiz vestibular para Letras e para Gestão Ambiental. A ecologia sempre me fascinou. Inclusive, cheguei a participar de um curso sobre consumo sustentável nesse mesmo ano. No entanto, tive que optar por um dos dois cursos e escolhi o de Letras.

O interesse por essa temática, contudo, permaneceu comigo. E, anos mais tarde, depois de concluído o “Sequestro”, decidi investir no sumiço das folhas e desenvolver a trama. A princípio, pensei até em escrever a história se passando no futuro, como daqui a dez anos, por exemplo. Mas, se desenvolvesse assim, se tornaria uma ficção científica. Apesar de ter escrito as primeiras páginas dessa forma, preferi descartar essa ideia. Quando a gente vai escrevendo, é que percebemos se o que tínhamos planejado dá certo mesmo ou não. Porém, certo ar verniano, ou seja, referente a Jules Verne, ainda me parece ainda bastante presente no texto.

E, falando em referências, uma delas foi a obra literária da escritora Lygia Fagundes Telles. Simplesmente sou louco pelos contos dela. Ao criar a minha personagem contista, não poderia escolher outro nome que não Lygia. O curioso é que a Lygia Fagundes Telles tem um livro de contos chamado “Antes do Baile Verde” em que a cor do título aparece de algum modo em todos os textos. E o verde, como todo mundo sabe, é a marca registrada do discurso ecológico.

Aliás, o discurso ecológico é o meu tema do mestrado. Vi, na pós-graduação, a oportunidade de unir essas minhas duas paixões. E acabei me envolvendo em duas escritas: uma científica e uma literária. Mas fiquemos com a segunda.

Antes de escrever o “Mistério em Verdejantes”, fiz um bom trabalho de pesquisa lendo livros e assistindo a filmes que abordassem a temática da preservação ambiental. Nesse período, abri dois arquivos no Word. Em um, registrava os sítios pesquisados, salvava notícias da internet, fazia marcações… Enfim, comentava e salvava praticamente tudo o que via ou lia nesse momento. Lembro que encontrei uma publicação muito bacana do blogue “Ideias Verdes”, da “Superinteressante”, com dicas de dez filmes sobre meio ambiente. Eis o link se quiser conferir: http://super.abril.com.br/blogs/ideias-verdes/dez-filmes-para-voce-entender-mais-sobre-meio-ambiente/. 

Já no outro arquivo, construía pouco a pouco a sinopse; elencava os personagens, descrevendo psicologicamente cada um deles e escolhendo os nomes; estruturava o livro em partes e em capítulos. Nesse arquivo, fui também desenvolvendo um resumo de cada um deles. Esse roteiro acabou ficando com cerca de 25 páginas. Muita coisa escrita dele acabou não entrando no “Mistério”, como é comum nesses processos.

Depois dessa etapa inicial, foi a vez de escrever a primeira versão. Tentava escrever um ou dos capítulos por dia. Às vezes, escrevi mais; às vezes, apenas um mesmo. Concluída a primeira versão, seguiu-se a primeira revisão. Depois, imprimi tudo e fiz uma nova revisão com caneta, riscando, reescrevendo, cortando, acrescentando. Considero essa etapa muito importante, pois é impressionante como algumas coisas passam despercebidas quando só observamos na tela do computador. Outras ideias, é claro, foram chegando nesse momento. E haja alteração. Aí, volta tudo para o computador. Em seguida, mais revisão na tela e no papel…

Com o meu segundo livro, contei com a incrível ajuda de três pares de olhos e seis mãos especiais. O Daywison, a Anuska e a Manuela – a quem dedico a história – aceitaram o trabalho de ler e opinar. Eles comentaram o que ficou bacana, criticaram alguns trechos, sugeriram cortes, acréscimos…Concordei com muita coisa, não concordei com muitas outras. Faz parte desse processo de revisão.

Mas durante todo o processo o que sempre me preocupou foi o final. Ou melhor, a resolução do mistério. Será que conseguiria esconder do leitor o motivo por trás desse crime bizarro? Desde o começo da escrita, já sabia como seria a conclusão do livro. Ele estava lá colocadinho no planejamento do texto, naquele arquivo do Word. Tive até um cuidado redobrado no quesito verossimilhança. Tudo pronto então.

Mas como a gente não para de pensar na história e de modificar os detalhes…Eis que na etapa da preparação do original tive outra ideia. E para o final! A nova era muito melhor! Mas o texto já estava sendo diagramado! Ai! Falei com meu editor e ele gostou. E, felizmente, deu tempo de mudar. Ufa! Joguei fora uma ideia de alguns anos aos 45 do segundo tempo! Nossa!
Desses mistérios, nem imaginavam, né?

A coluna Palavra Jovem a partir de agora é publicada semanalmente, toda terça e quinta-feira.severino

O autor, Severino Rodrigues, é escritor, professor e mestrando em Letras pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Destaque no Concurso Rubem Braga de Crônicas da Academia Cachoeirense de Letras, publicou pela Cortez Editora, em 2013, o suspense juvenil Sequestro em Urbana, e Mistérios em Verdejantes, 2015.