Crônica de uma amizade perdida

#PALAVRAJOVEM  Série de crônicas  por Severino Rodrigues

foto1 site Pixabay

Encontraram-se no banco. Há anos que não se viam. Tantos que foram obrigados a olharem um para o outro e fingirem que não se conheciam. Deveriam tratar-se como estranhos, desconhecidos. Igualmente como faziam com aqueles que estavam na agência. Distantes apenas uns dez passos que mais pareciam léguas. Os anos que passaram longe pesavam sobre eles. Impossível mover a cabeça para um singelo cumprimento, ou falar, nem que fosse baixinho, um Oi!.

Foram amigos inseparáveis. Daqueles que estudavam e brincavam juntos no mesmo colégio. Tudo bem que a sala de aula tivesse quase trinta alunos, mas para eles só bastava um ao outro e ninguém mais. Um menino e uma menina. Ele tinha os cabelos bem escurinhos, e ela, loirinhos acastanhados. Viviam para cima e para baixo. Agarrados. Uma amizade que nunca acabaria. Mas acabou. Mudaram de colégio. Depois de cidade. Perderam o contato. Cresceram. Aos poucos foram esquecendo o parceiro de todas as horas da infância. Os anos corroboraram para o apagamento na memória dos rostos amigos.

Agora se reencontraram. Olharam-se. Contudo não houve nenhuma iniciativa de qualquer parte para demonstrar menor sinal de reconhecimento. Talvez a princípio não tenham se reconhecido, porém o rosto familiar, os mesmos cabelos loiros acastanhados daquela jovem encostada na parede, na fila de pagamentos… Era ela! Ela! Só podia ser ela! Sua amiga de infância! Era a Helen! A Helen! E aquele rapaz que volta e meia a olhava? Não era familiar também? Conservava ainda traços infantis, mas o formato do rosto estava diferente. Hum… Fazendo a barba… Estava com o rosto ligeiramente mais largo. Era o… O Rogério! Era ele! O Rogério! Ela volveu os olhos para a fila. Ele não ousara falar com ela. Ela também não ousaria.

Dez anos os separavam. Correção, dez anos não, dez passos. Dez passos apenas. Um, dois, três, quatro, cinco… Não! Não! Menos que isso. Apenas um Olá!, um Tudo bom? ou um Você não é fulano? bastaria para reacender a velha amizade. Eles, no entanto, não eram corajosos o suficiente para vencer esse desafio. Se fossem crianças, gritariam o mais alto possível o nome do amigo, que passava lá do outro lado da rua. Como eram quase adultos, um medo estrangeiro os impedia de falar. Precisavam, portanto, ficar em silêncio. Melhor olhar para o outro lado.

Trinta minutos no banco. Ela vinte. Ele trinta. Mas nenhuma palavra. Nos cinco primeiros, se olharam. Lembraram do velho companheiro de infância. Pensaram no passado. Alguma recordação vaga veio à mente deles. Recordação gelada. Que não os animara a falar. O relógio não esperou. Ele nunca espera. Ela foi embora primeiro, sem um tchau. Nem sequer olhou para o antigo amigo na saída. Depois foi a vez dele ir, já tinha feito o que era realmente importante mesmo: pagar as contas, né?

Talvez mais tarde, depois do almoço, voltassem a esquecer um ao outro. E perder, mais uma vez, a amizade.

severinoA coluna Palavra Jovem  é publicada semanalmente, toda terça e quinta-feira.

O autor, Severino Rodrigues, é escritor, professor e mestrando em Letras pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Destaque no Concurso Rubem Braga de Crônicas da Academia Cachoeirense de Letras, publicou pela Cortez Editora, em 2013, o suspense juvenil Sequestro em Urbana, e Mistérios em Verdejantes, 2015.