A educadora que virou contadora

Por Claudia Lins

Levando seu carrinho de compras, a professora Rosangela para entre uma estante e outra de livros para indicar títulos.

Sempre tagarela, exibe para as amigas o que considera bom e encantador em cada uma de suas histórias favoritas. A conversa prossegue em tom animado e, por alguns instantes, a educadora nem percebe minha presença. Estou lá de bloquinho na mão, anotando suas dicas para Mundo Leitura. Vejo seu entusiasmo alegre pelos livros e continuo absorvendo  o que posso daquela atmosfera incrível. De repente, a professora  me olha e diz de um jeito animado, sem perder o fio da conversa com as amigas:

Te conheço de algum lugar!”

A verdade é que não nos conhecemos, pelo menos não até aquele momento. No entanto, imediatamente reconheço, somos parte de uma mesma corrente universal, a dos seres fascinados por boas histórias e sempre dispostos a encantar outras pessoas com o gosto pelos livros. Sendo assim, aceno positivamente com a cabeça, retribuo o sorriso e peço permissão para entrevistá-la. Em poucos segundos a conversa se transforma num delicioso bate-papo e, confirmando minhas suspeitas iniciais, me descubro diante de uma educadora apaixonada pelos livros.

Rosagela Sivelli era para se tornar  uma personagem para o link Eu Leio, mas se revelou uma entrevistada incrível que adorei conhecer. E pela gradiosidade de sua história, conquistou o espaço desta reportagem.

Contadora de histórias e responsável por dezenas de projetos de leitura na Escola Municipal Barão Homem de Melo, no bairro carioca de Vila Isabel, ela comanda a sala de leitura que encanta crianças do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental I. Há 30 anos atua no magistério, sendo 18 dedicados exclusivamente ao trabalho como professora de sala de leitura. Um mundo que foi descobrindo aos poucos, confessa.

“No princípio era uma espécie de pedinte de livros, visitava as editoras em busca de conhecer as novidades do mundo da leitura. Nessas visitas, descobria muita coisa bacana e, claro, aproveitava para pedir livros para compartilhar com meus alunos”, conta Rosangela.

Antes de se aprofundar nos conhecimentos literários e partir para aventura de contar histórias, esta educadora

O contador Francisco Gregório

carioca nem era tão leitora. Cresceu fascinada pelos contos de fadas e clássicos que ouvia nos disquinhos de vinil coloridos. Na adolescência adorava ler fotonovelas e detestava os livros obrigatórios que lia como purgantes, receitados pelas professoras em período de provas. Formou-se em pedagogia e estava no caminho de se tornar mais uma profissional da Educação sem muita intimidade com os livros, quando um mago da contação de histórias cruzou sua existência. Foi numa oficina de contadores, ministrada por Francisco Gregório Filho, que Rosangela, uma leitora adormecida, despertou para um mundo de cores e possibilidades nunca antes imaginado.

Sai de lá encantada com tudo que ouvi e vivi com aqueles contadores”, recorda-se.

Admirada pelos contos de memórias, enebriada pelas poesias e disposta a continuar descobrindo outras leituras, a professora Rosângela seguiu matriculando-se em novos cursos. Queria beber mais da fonte da literatura, a vida já não era a mesma sem um novo livro ao lado.

Assim, descobriu ao acaso, enquanto participava de uma mostra de contadores de histórias voltada para educadores, um curso na Casa da Leitura de Laranjeiras. Naquela época, 1996, suspeitava da influência invisível de sua fada madrinha a empunhar sua varinha  de encantos, fazendo com que os portais da leitura se abrissem em sua direção.

“As coisas não acontecem por acaso na vida da gente. Alguém que nem me lembro quem era, me deu um panfleto sobre a Casa, fui lá, me matriculei num curso, tive contato com autores e outros contadores de histórias, fiquei maravilhada. Ao final do curso já sabia: é isso que quero fazer, contar histórias e encantar as pessoas como fui encantada por esses profissionais”.

Como nas boas histórias, tudo o que se deseja com o coração acontece, e com Rosangela não foi diferente. O tempo passou e ela se transformou numa garimpeira de leituras. Saiu a garimpar histórias, um prazer que compartilha até os dias de hoje.

Estou sempre a procura de uma trama boa para contar” , revela.

A educadora Rosângela Sivelli garimpando histórias no Salão FNLIJ

Garimpando tesouros literários, a educadora carioca descobriu Adélia Prado, mergulhou na magia dos poetas, ousou estudar e compreender os contos tradicionais da cultura popular e percebeu que o encantamento era o caminho para atrair e formar novos leitores.

De garimpeira a guardiã de preciosidades literárias, topou o desafio de estudar mais e mais. Matriculou-se em vários cursos, participou de grupos de estudos,  foi parar entre estudiosos de uma pós-graduação  da Universidade Federal Fluminense (UFF) sobre a alfabetização de crianças das classes populares.

Para compreender o mundo da leitura, cruzou mares, pontes e desafios. Toda semana navegava pela Bahia de Guanabara até chegar ao bairro de Niterói, do outro lado do Rio de Janeiro, onde fica a UFF. E apesar da rotina puxada dando aula em duas escolas do município carioca, viajava para a universidade, duas vezes por semana, cruzando a ponte Rio-Niterói.

A roda do conhecimento girou a favor de Rosangela, que se lançou sem medo ao desafio de crescer com os livros. Maravilhada com a potencialidade da literatura infantil como aliada na formação de crianças e jovens, contou histórias em praças, participou de grupos mambembes, buscou ler novos títulos, conhecer autores brasileiros e internacionais, aprofundou os saberes sobre leitura e escrita.

Um dia sentiu-se pronta para escrever suas próprias descobertas. “Quem conta um conto, aumenta um ponto. Reflexões de uma professora na sala de leitura”, é o título da pós-graduação que Rosangela Sivelli concluiu com o grupo de pesquisa em Alfabetização dos Alunos das Classes Populares da UFF, em 2001.

Mais tarde, em 2005, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a educadora concluiu a  especialização em Literatura Infantil e Juvenil (UFRJ-2005), estudo com foco na oralidade e escrita.

Atualmente, a educadora de 55 anos, mãe de dois filhos, avó de uma neta de 11 anos, com quem adora compartilhar leituras, leva na bagagem da vida cinco cursos de contadora de histórias com mestres como Francisco Gregório Filho e Bia Bedram. Rosângela se define uma leitora voraz, que lê de tudo, mas ama principalmente os livros de literatura infantojuvenil, pesquisados com a experiência de uma garimpeira de histórias.

Na escola onde Rosangela trabalha, cirandas de leitura, projetos de contação de histórias, empréstimos de livros, leitura dramatizada e miniprojetos são organizados para que os alunos transformem o ato de ler numa grande aventura, dentro das salas de aula, fora da escola e  no universo da sala de leitura.

Antes de terminar a entrevista, peço para que ela dê uma dica de leitura legal. E ela indica o livro que estava apresentando para as amigas no momento em que me intrometi na conversa. Além desse título, anotei outros que acabei comprando, seduzida pela apresentação dela.

Que livro você nos indica?

Rosangela: Cuidado com o menino, de Tony Blundell, tradução de Ana Maria Machado, Editora Salamandra. Esse é um livro ágil,  divertido, inteligente e bem humorado, que faz a criança pensar.

Me despeço da professora contadora de histórias levando alguns outros títulos indicados por ela, livros que comprei e amei, e a certeza de que pertencemos a uma mesma teia de encantos proporcionados pela leitura. Enquanto existirem profissionais como Rosangela, promovendo o livro e a leitura por esse Brasil a fora,  o futuro de nossos leitores promete muitas e maravilhosas surpresas.


13 comentários

  1. Parabéns pela reportagem. Muito interessante e inspiradora a história da professora, com o estímulo à leitura!

  2. Se você ficou encantada com um simples bate-papo, saiba que vai se apaixonar se uma estória ver ela contar. Que assim como ela, a cada dia mais surjam contadores de estórias, porque é através deles que não só crinaças e jovens começam a se interessar pelo fascinante mundo dos livros!!!!

  3. Essa que você descreveu é minha tia Zanja. Desde que me conheço como gente ela é assim. Tagarela que só ela!
    Ela não só fala, mas respira, transpira, sente intensamente e transborda essa paixão pela leitura.
    Trabalhar numa escola municipal não é das tarefas mais fáceis, muitas vezes a ouvi comentar situações difíceis com alunos. Há anos, ela reuniu e ainda reuni crianças em suas turmas para fazê-las mergulhar no mundo da leitura e por muitas vezes esse mergulho fez com crianças tristes tivessem seu momento de alegria e esquecem suas dificuldades. Essa dedicação é fruto de sua paixão pelos livros.
    Desejo que profissionais como você tenham seu devido valor.
    Parabéns tia Zanja! Você merece!

    Mil beijos,
    Leca

  4. Agradeço a Cláudia Lins pela entrevista e pelo ótimo texto, leve e animado.

    Mas não posso negar que passei aqui mesmo foi pra isso aqui ó:

    Parabéns, Mãe!
    Muito orgulho de você, do seu trabalho e do seu espírito incansável que disseminam a cultura na melhor das formas.
    Beijos do seu filho que aprendeu isso tudo e muito mais com você,
    Rafa

    1. Sua mãe é que uma incrível personagem da vida real. Para ela, todas as homenagens!

  5. Com seu jeito tagarela, sempre aprendo muito com você. Seu amor pela leitura e pelo magistério não cabe na sua boca. Está no seu coração e na sua alma. Será por isso que é tão faladeira? Ter que mostrar o invisível te faz assim!Adorei a entrevista. Bjs Rita Luzia – E.M. Azevedo Sodré.

  6. Parabéns amiga !!!
    Bom saber q você anda encantando até desconhecidos com sua tagarelice sobre coisas tão bacanas, tão importantes como os livros, esses companheiros do nosso dia a dia.
    Beijocas
    Bel

  7. Tenho o prazer de trabalhar com a professora Rosângela há cinco anos. Ela é assim mesmo, falante e interage com os alunos e professoras nesse universo da literatura. Como contadora de histórias é um show! Principalmente porque adora o que faz. As histórias de bruxa então!!!! Adoro!!!! Fizemos alguns trabalhos na própria escola, ( as parcerias como ela diz) que tiveram um resultado maravilhoso. Parabéns Rô! Você merece! Beijos. Patricia Lima.

  8. tia rosangela eu participei do contadores de historia e sempre estou com o o livro que voce endicou eu sou muito grata de ter voce como minha professora mesmo eu nao gostando de historia geografia ciencias matematica portugues ingles arte educaçao fisica eu amo a sua aula porque nos fazemos as coisas que eu mais amo ler escrever e desenhar mais nas outras aulas nao tem isso enclusive matematica tabuada nao e comigo mas tewm que aprender eu nunca vou esquecer de voce voce e a flor do meu jardim que se chama barao homem de mello

  9. Parabéns Rosângela, amei a reportagem e principalmente seu amor pela leitura !! Mais uma pessoa para me inspirar !!

    Beijos, Bárbara (Rua Curuá)

  10. Parabéns!!! Continue com essa energia para contagiar cada vez mais pessoas.

  11. Zanja, parabéns pela reportagem! É o reconhecimento de um trabalho encantador e inspirador!!
    Continue com toda essa energia e força de vontade!! Sucesso e tudo de bom sempre!!!
    Beijos, Gi