O mês em que eu vi surgir uma paixão

#PALAVRAJOVEM  Série de crônicas  por Severino Rodrigues

Foto: Site Pixabay

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Havia acabado de entrar na universidade e uma semana depois o trajeto do ônibus já não era mais novidade e as pessoas começavam a se repetir, se tornando conhecidas.

Na segunda semana, notei que, naquela parada antes de dobrar a esquina, sempre subia uma mulher muito simpática. Com o motorista. Ele, porém, nem tanto com ela.

Na terceira semana, a simpatia continuou e intensificou. Numa manhã, levantei brevemente a cabeça do livro e percebi que ela olhava pela janela. Voltei a ler, mas, de repente, escutei um barulho. Aços batendo, se arranhando e se amassando mutuamente.

A parte de trás do ônibus chocara com um carro que saía de ré – ou não, não lembro bem – de uma rua.

Atraso garantido para a aula. Todos começam a descer. Mal pisei no asfalto, escutei um “A culpa é do motorista!” e quase ao mesmo tempo um “Não é não! A culpa é sua! Eu vi que você estava errado!”.

A mulher sempre simpática com o motorista do ônibus estava agora defendendo-o. O outro motorista, o do carro, não concordava com ela. O burburinho começou. E lá vamos nós esperar a situação se desenrolar.

Pouco depois, chegou o ônibus seguinte para nos levar. Mas a mulher simpática com o motorista – do ônibus, evidentemente – não subiu. Ficou para testemunhar quando sei lá quem chegasse para resolver o problema.

No dia seguinte, quando ela subiu na parada de sempre, quem foi simpático foi o motorista. Inclusive, tomou a mão dela para um rápido beijo. O sentimento era agora recíproco.

A história poderia se concluída aí. Comecei a me atrasar, pegando outro ônibus, outras pessoas, muita coisa para ler da universidade etcétera e tal. Mas, eis que, alguns dias depois, volto a pegar o mesmo. A priori, vejo outro motorista, porém não estranho. Ao chegar naquela esquina, sobem a mulher simpática e o motorista anterior de mãos dadas, com sorrisos e muita simpatia. O casal senta nas cadeiras em frente a minha e conversam bastante, rindo íntimos.

Saco, então, minha caneta e escrevo em meu bloquinho a ideia desta crônica.

severino rindoA coluna Palavra Jovem é publicada quinzenalmente em Mundo Leitura, toda quinta-feira.

O autor, Severino Rodrigues, é escritor, professor e mestrando em Letras pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Destaque no Concurso Rubem Braga de Crônicas da Academia Cachoeirense de Letras, publicou pela Cortez Editora, em 2013, o suspense juvenil Sequestro em Urbana.