Jornada Literária de Passo Fundo

Fonte: O Estado de SP

Show de abertura da Jornada com Cia de Teatro Livro Aberto, de Petrópolis

“De tudo, gostei mais da Eva Furnari porque ela é a escritora que eu mais conheço.” O comentário de Felipe, de nove anos, no final da tarde de quinta-feira, responde a um dos objetivos da Jornada de Literatura de Passo Fundo: sensibilizar a criança para a leitura com a apresentação de uma obra que será lida, debatida em sala de aula, que vai inspirar trabalhos artísticos e que culminará no encontro com o autor. Se correr tudo bem, como com Felipe, esse autor ganhará um leitor fiel e a criança, o hábito da leitura que o levará a outras obras e autores.

O garoto foi um dos 18 mil estudantes que participaram da Jornadinha de Literatura, há 14 anos parte integrante da Jornada de Passo Fundo, criada por Tania Rösing em 1981 e desde então realizada bienalmente aos trancos e barrancos, com idas e vindas de Rösing a Brasília e à porta dos patrocinadores. Com um orçamento de R$ 4,5 milhões – a Flip custa quase o dobro – a 15.ª edição do evento começou na terça-feira, com a premiação de Ana Maria Machado no Zaffari & Bourbon de Literatura, e termina neste sábado, com show do rapper Emicida.

Entre os autores que circularam pelo festival gaúcho, com atrações para todas as idades realizadas em lonas e em outros prédios do campus da Universidade de Passo Fundo, Roberto DaMatta, Marcelino Freire, Bruna Beber, Walcyr Carrasco, Eduardo Spohr, Marcelo Mirisola, Ilan Brenman, Cadão Volpato, Michel Laub e Paulo Scott. A coordenação dos debates do palco principal foi de Ignácio de Loyola Brandão e Luciana Savaget. Este foi o primeiro ano em que fizeram o trabalho sozinhos, e sentiram a ausência de Alcione Araújo, o terceiro do time, que morreu em 2012.

Aquecimento. Quarta-feira, 8 horas. Três ônibus encostados na frente do Instituto Educacional Metodista, e as crianças, encapotadas, esperando para entrar. Era o grande dia de ir à Jornadinha e ver Eva Furnari e Ilan Brenman, disseram. Fazia 4º C e ninguém ligava. No caminho, cantavam a música oficial, de Paulo Becker e Humberto Gessinger. Falavam do escritor André Neves, que tinha passado pela escola dias antes.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Na véspera, 40 alunos do 3º ano do Ensino Fundamental se espalhavam pelo chão e pelos pufes da sala para ouvir a “prô”Vanessa contar a história de O Alvo, de Brenman. A participação foi intensa e teve até uma pequena discussão (no bom sentido). O protagonista do livro tinha conseguido acertar cem vezes o alvo. “Não é impossível”, disse um. “Mas é bem difícil”, respondeu outro. “Mas é possível”, retrucou, e continuaram. “Ele acreditou em si mesmo”, arriscou Maitê quando a professora perguntou como tinha sido possível tanto acerto.

Dúvida cruel. Nos encontros com os escritores, a prioridade é para as dúvidas das crianças. Alguns nem chegam a fazer uma introdução e o microfone é aberto para a plateia. Os estudantes correm para formar uma fila com seus papeizinhos amassados e manuscritos. As perguntas variam das clássicas “no que o senhor se inspirou para fazer essa história?” e “pensou em alguém de verdade para escrever?”, passando por questões relacionadas aos livros como “se seu livro se chama Meu Filho, Meu Besouro, por que você desenhou um unicórnio na capa?”. E há curiosidades, como “qual era seu esporte preferido quando era criança?”, “quantos autógrafos já deu?” e “quando você conheceu Eliardo?” – esta última foi direcionada a Mary, mulher dele e coautora de seus livros.

O marido de Mary, aliás, fez sucesso. “Gostei mais daquele escritor que tem um nome que termina com Paris”, conta Elisa, de nove anos. Seu autor preferido era, na verdade, Eliardo França. “Porque ele fez personagens pingos. E os pingos são a minha infância”, diz.

Quem também fez sucesso foi a pernambucana Rosinha, autora de mais de 80 livros. “Rosinha, Rosinha, Rosinha”, gritavam seus fãs. “É que passei uma tarde com eles. Cria uma intimidade”, justifica. Cria-se mesmo essa intimidade. “A criança concretiza que você é de carne e osso. Não é um Monteiro Lobato ou um escritor velhinho. Que tem filhos da idade deles, enfim, se identificam”, comenta Ilan Brenman.

Esse interesse todo demonstrado pelos alunos não quer dizer que tudo corra tranquilamente. Agitados, eles conversam com os amigos, tiram fotos com o celular, tomam lanche, pedem para ir ao banheiro. E quando parece que ninguém mais está prestando atenção, o autor faz uma pergunta no palco e o coro responde num só grito. É uma nova geração. E a Jornada está querendo entender seu funcionamento.