A aventura do primeiro livro

Claudia Lins

A literatura infantojuvenil é tema de muitas reportagens que ela produz para a Revista Crescer, mas dessa vez é ela quem está na pauta. Em contagem regressiva para a divulgação da lista dos 30 melhores livros do ano, grávida de 32 semanas, a jornalista Cristiane Rogério, editora de Educação e Cultura de Crescer, bateu um papo virtual com Mundo Leitura para falar da emoção de lançar seu primeiro livro, Carmela Caramelo, título que assina com o ilustrador André Neves, editado pela Cortez.

Foto: Ricardo Fiorotto

Mundo Leitura: Você já escreve sobre literatura infantojuvenil há um bom tempo, quando surgiu o desejo de escrever para crianças?

Cris Rogério: Olha, eu não sei precisar bem quando, mas, em 2007, eu também já cuidava da seção Quintal da revista e nós precisávamos de um conto que falasse algo sobre natureza. Antigamente essa seção tinha uma linguagem voltada para criança e era sempre temática. Tivemos alguns problemas de prazo e eu disse à diretora de redação, que era a Paula Perim, na época: Paula, acho que eu consigo escrever algo em dois dias. Se vocês gostarem, publicamos. E eu me inspirei em um garoto que conheci por uns dias em Macapá, fazendo uma reportagem para a Crescer, e escrevi O Menino da Bolinha de Gude. Publicamos e ele saiu no mesmo ano em uma coletânea de contos desta seção, chamada Contos do Quintal, pela Editora Globo.
Depois eu escrevi mais dois contos: o A Candidata e o A Menina Que o Sabiá Seguia. Tudo para a mesma seção. Bem, lendo tantos livros, todos os dias, sempre tinha uma ou outra inspiração. Mas, ao mesmo tempo, uma autocrítica arrasadora, porque cada vez mais meu senso crítico fica mais apurado, a cada leitura, a cada entrevista, palestra, me sinto estudando literatura infantil. Em 2008 eu fiz parte de uma pós-graduação experimental comandada pelo professor e escritor Gabriel Perissé que visava formar escritores. Para o TCC, tínhamos que escrever um texto de um dos módulos e, claro, resolvi tentar escrever e imaginar um livro. E nasceu a Carmela Caramelo. Embora meu marido seja designer, quis escrever a história em powerpoint – risos – com a intenção de sugerir um ritmo de leitura: não conseguia imaginar mais um texto corrido no word, queria um ritmo de virar de páginas, imaginar os lugares das ilustrações.

Mundo Leitura: Carmela foi um projeto realizado em quanto tempo, desde que a história nasceu no seu pensamento até se transformar em original e ter a aprovação da editora?

Cris Rogério: Então, como eu contava acima, em alguns meses eu tive que entregar o trabalho. E tudo acabou se concluindo em 2009, quando finalizei o curso. Uma das primeiras pessoas que viu o texto – impresso em powerpoint, imagine! – foi o André Neves , que reagiu com uma gentileza e generosidade que me emocionou demais. Me fez acreditar nela. E, de cara, sugeriu uma troca de título, sugerindo que Carmela Caramelo fosse ele, por ser um nome muito forte. Bem, de lá pra cá eu sempre sonhava que ele fosse o ilustrador, claro. Fui apresentando para algumas editoras, e o André e outros escritores que sabiam da Carmela, como o Ilan Brenman, por exemplo, sempre me incentivavam a continuar. Mas o tempo foi passando, fui levando uns “nãos”, até que o André e eu estávamos com editor Amir Piedade, da Cortez, e sugeriu a ele que lesse meu texto. Mandei. Amir me deu um retorno em alguns meses depois dizendo que faria parte do catálogo de 2012 e que André faria projeto gráfico e ilustras. A glória! Em dezembro André e eu fomos conversando por Skype – eu em São Paulo e ele em Porto Alegre – e acertando os detalhes, o que foi maravilhoso, aprender de fato como nasce um livro. E em março vi tudo de uma vez: esta beleza toda, é impressionante e emocionante demais o que ele pôde fazer a partir das minhas palavras.

Mundo Leitura: E o que conta sua história?

Cris Rogério: A Carmela é um pouco de muitas mulheres que passaram ou estão em minha vida. Tem um pouco da minha avó – que inclusive se chamava Carmela, mas só me dei conta disso depois que criei o nome pra personagem – da minha mãe, de outras avós, de outras mães… Tem muita fantasia, muitas vontades. E o livro conta um pouco sobre ela, várias pequenas histórias que a descrevem como uma pessoa um tanto amalucada, muito bem humorada, que vê a vida sempre carregada de sorriso, mas que não é boba: ela sabe que há dias que as coisas não vão tão bem. E, por mais banal que isso seja, acho que a gente se esquece e quer ver um mundo em que tudo dá sempre certo. Carmela também veio lembrar que não é bem assim. Aliás, ela continua aqui me lembrando disso, ao mesmo tempo em que me estimula a ver a vida com poesia. Difícil explicar, só lendo mesmo…

Mundo Leitura: Já tem novas histórias surgindo ou projetos de novos textos?

Cris Rogério: Eu já rabisquei outras ideias, escrevo sempre, sempre. Mas ainda nada que tenha virado um início de projeto. No momento, também tenho outro sonho em mim: estou grávida da Clarice, minha primeira filha que tem previsão para chegar no final de junho.

Mundo Leitura: A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil revelou que as crianças brasileiras estão lendo menos, e que as fases de maior proximidade com os livros tem se dado na educação infantil e mais tarde, na fase de paradidáticos, na adolescência. Provavelmente, na primeira infância, o estímulo dos pais contribui para a descoberta desse encantamento pela leitura. Como vê esses dados? E o que acredita possa contribuir para que o prazer de ler se torne parte da vida dos brasileiros?

Cris Rogério: Olha, até por conta de conversas que tivemos com especialistas, achei esta pesquisa com dados puxados para o catastrófico mas, talvez não seja tão ruim assim. É claro que não está bom e que o brasileiro, de um modo geral, lê menos. Mas os números mostram também que os professores também estão se empenhando mais e este dado para mim foi maravilhoso e esperançoso: não porque leitura fica a cargo da escola. Mas porque um educador inspirador pode fazer muita diferença e mudar a criança e aquela família que ainda não descobriu a leitura. Eu acho que o que mais pode contribuir para o aumento da leitura é a gente parar de colocar o livro como algo “divino”, como só quem lê tem salvação e derrubar e “brigar” com todas as outras fontes de inspiração, de arte, de conhecimento. Tem que estar junto. Ler junto. Experimentar com a criança. Experimentar como adulto. E tem que ficar claro que livro tem que ter esforço, disciplina até, mas não pode ser só por obrigação. Temos que inspirar novos leitores, não desprezá-los ou manter os que não leem como se fossem pessoas com menos importância. E, claro, promover em grande escalas a boa literatura, com um programa de custos mais baixos, de colocar a leitura nas grandes massas de um jeito atrativo e criativo, de misturar as artes, de associar à tecnologia, de ouvir o que os outros têm a dizer: de valorizar as histórias simplesmente. E desintelectualizar um pouco. Deixar de colocar leitores, escritores, e outros artistas num pedestal. Isso afasta e inibe as pessoas.

Mundo Leitura: Cada livro uma nova história, cada história a possibilidade de crescermos, aprendermos, simplesmente nos divertimos. Como alguém que acredita no poder e na magia dos livros para uma infância feliz e saudável, que dicas daria aos pais e educadores nesse sentido?

Cris Rogério: Que mergulhem junto das crianças e apoveitem essa oferta maravilhosa que vivemos na literatura infantil no Brasil. São artistas incríveis, são obras de arte sem parar, e uma possibilidade de fazer com que olhemos – todos, adultos e crianças – por um mundo melhor. Ler uma história, um poema, ler uma imagem, tudo isso faz a gente crescer como pessoa, não por acúmulo de conhecimento apenas: mas porque ler uma experiência e para a experiência ser de verdade é única. Ninguém faz por você. E boa literatura conversa com nosso sentimentos, fala daquilo que a gente não consegue nomear. E isso é maravilhoso em qualquer idade.

Mundo Leitura: Primeiro a experiência de escrever sobre livros, agora a aventura de escrever livros, o que tudo isso trouxe para sua vida?

Cris Rogério: Primeiro de tudo a experiência de tocar alguém com algo que você escreveu. A gente sente que o que é seu está no outro. E isso dá uma sensação boa de continuidade, de laço, de conexão. E, mais praticamente, é maravilhoso, como eu disse, ver um artista como o André contar uma história a partir da sua. A sensibilidade com que tudo foi feito é emocionante de se viver. E ver a Carmela em cor, textura e cara é sentir que escrever é mesmo uma aventura.

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Fotos: Carmela Caramelo no 14º Salão FNLIJ, no RJ