Os caçadores de narrativas orais

Por Claudia Lins

A bordo de uma kombe que se transformou em casa e passaporte para a maior aventura de suas vidas, os fotógrafos gaúchos, Inês Calixto e Franco Hoff, já percorreram mais de 50 mil quilometros de estradas. A viagem do casal começou na Serra da Canastra, em Minas Gerais, onde nasce o rio São Francisco, cruzou 269 cidades e 17 estados brasileiros, indo dar até na Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Enquanto viajam, seguem contando histórias, registrando imagens e ensinando fotografia digital para centenas de crianças, algumas tiveram o primeiro contato com uma câmera, a partir das oficinas do projeto.

“É um prazer participarmos do Portal Mundo Leitura”, escreve Inês no e-mail que gentilmente nos respondeu tão logo foi solicitada para contar as histórias de Alice. E quem é essa Alice? Tão aventureira quanto a personagem de Lewis Carrol, a Alice de Inês é na verdade, uma Kombehome, adaptada para que o casal pudesse viajar pelo país coletando histórias e revelando personagens da vida real.Uma viagem que continua acontecendo neste exato momento, e que está programada para terminar em maio de 2012.

O projeto não tem patrocínio, por isso, os fotógrafos trabalham enquanto viajam, descolando um bico aqui e outro ali. Em algumas cidades conseguem o apoio das secretarias de cultura, em troca retribuem a comunidade promovendo oficinas de foto digital. O diário de bordo das viagens é registrado num blog do projeto, que tem ainda página nas redes sociais, mural de fotos no flickr, um site com transmissões ao vivo das viagens e muitos vídeos bacanas espalhados pela internet. Aliás, foi assim que Mundo Leitura descobriu o casal de aventureiros.

Por onde passam, Inês e Franco atraem atenções e conquistam amigos. Nem sempre viram tema de pauta, mas seguem formando multiplicadores da leitura, por meio das histórias contadas e também ajudam a despertar leitores visuais, promovendo oficinas de fotografias.

Como essa aventura começou?

A ideia do Projeto Histórias de Alice surgiu de um jeito tão inusitado, como tem sido o cotidiano de Inês e Franco depois que toparam embarcar nas viagens. Tudo começou na festa do Divino, de 2009, na cidade de Piracicaba, interior de São Paulo. “Fomos fotografar e a chuva nos pegou, ficamos dentro do carro conversando sobre nossos desejos e aí surgiu a ideia de viver viajando, fotografando e coletando histórias”, lembram.

Tornar o sonho realidade também demandou tempo e planejamento. Depois de uma série sucessiva de acontecimentos, o casal acabou optando por tornar a idéia mambembe uma escolha de vida. “Foi como se, de repente, nos víssemos grávidos das histórias de Alice”, explica Inês.

Diante de tantos olhares, sotaques e culturas, o casal considera que o maior aprendizado proporcionado até agora pelo projeto, tem sido descobrir que a vida não lhes pertence completamente. “Às vezes estamos seguindo um roteiro de viagem, quando alguma situação chama nossa atenção e nos tira do caminho. Chegando lá, encontramos uma generosidade surpreendente nas pessoas, como se elas nos esperassem. Situações assim, nos surpreendem sempre. Outra coisa linda, é que para as pessoas do interior, a palavra e a confiança ainda são a lei maior que rege as relações. É bom poder conviver com experiências assim”, dizem, e também consideram que o Brasil seria um lugar melhor de viver, não fossem os constantes e sucessivos descuidos políticos.

Brasil de Histórias

Descobrir um Brasil diverso, pobre e rico ao mesmo tempo, em generosidade, hospitalidade e tradições orais, tem sido para o casal tão encantador quanto se lançar ao desconhecido a cada novo roteiro de viagem. E tudo o que viram e ouviram até agora, esperam reunir num livro, ainda sem data ou patrocínio para ser lançado.

Inês contando historias para grupo de crianças

Inês e Franco contam que as histórias coletadas são muitas. “Beiram a mais de 500”, estimam. E se divertem por ainda encontrar gente que acredite em lendas como a do Caboclo D’água, no Minhocão e no Saci-pererê. “Outro dia, encontramos a história do lobisomem contada por um homem que se assumia como o lobisomem da comunidade. Demais!”.

Para tornar o momento da contação de histórias ainda mais lúdico e interativo, especialmente para as crianças, o casal está sempre na companhia de amigos bonecos, como Juca, que viaja a bordo de Alice, participando das histórias. A manipulação de bonecos durante a contação, são algumas das dinâmicas utilizadas para estabelecer uma comunicação com o público infantil.Ao longo do caminho, as crianças elegem suas preferêcias no repertório da dupla, que também se modifica a medida que novas histórias são reveladas ou recontadas.

“No decorrer da contação as crianças ficam superligadas, como se estivessem dentro da história. Participam dos cantos, interagem com situações dos enredos. Brincam muito com o boneco, conversam com ele, discutem, divergem, concordam. É bem interessante”, conta Inês, lembrando que entre as histórias preferidas da criançada, estão: a do João Jiló, a do Negrinho do Pastoreio e a que costuma chamar da história do bicho papão, esta última era uma história contada por sua mãe”, revela Inês. Recentemente foi incluída no repertório do casal, a da lenda das Sete Cidades, coletada após a viagem pelo estado do Piauí.

Mundo Leitura: Viajar com Alice por esse Brasil de Histórias já não está despertando o desejo de novas aventuras? Quando essa viagem acabar, o que mais vem por aí?


Inês e Franco: Penso que não conseguiremos mais viver sem ser na estrada. Temos três idéias para depois desta viagem: a primeira é retornar para algumas das cidades e comunidades visitadas com a apresentação do documentário feito; a segunda é ver se conseguimos o patrocinio de um carro 4×4 para ir a lugares onde a Alice não nos pode levar e a terceira é prosseguir com a ideia do histórias de Alice e expandir a viagem para as Américas e depois para o mundo. Mas para isso, ainda dependemos de, como as coisas se encaminharão, depois de nosso retorno para São Paulo.

 

FOTOS: Para navegar no álbum de imagens do Projeto Histórias de Alice – Clique Aqui!