Entrevista com André Neves

Maroca e Deolindo é o nome do novo livro do autor que já parou de contar quantos títulos criou ou ilustrou : Perdi a conta nos números pois sou melhor com as histórias”

Claudia Lins

Nas histórias que cria ou ilustra, imagens e personagens de traços inconfundíveis carregam o colorido vibrante das tradições populares nordestinas, do Recife onde nasceu.  André Neves já disse um dia que seu pensamento circula ao redor das imagens. Para ele, a palavra não existe sem elas. Autor e ilustrador de livros premiados, possui uma obra capaz de encantar leitores de todas as idades, mas que está em constante movimento. Cada livro nos revela uma nova linguagem e possibilidades de leituras visuais diversas. “Sou inquieto e o mundo é instigante”, nos responde por e-mail, de sua casa em Porto Alegre, no intervalo entre uma viagem e outra, vindo da maratona de oficinas e eventos literários, preparando-se para o lançamento de mais um novo livro que se prepara para ganhar o mundo.

Mundo Leitura: Maroca e Deolindo é o seu novo livro editado pelas Paulinas. Que tal a experiência de escrever contos, e qual o lugar das imagens nessa nova aventura?

André Neves: São pequenas histórias com foco nas festas populares brasileiras. Uma experiência enriquecedora pensar, criar e me divertir na cultura de um pais tão plural. Doze histórias de várias regiões para contemplar o lindo povo brasileiro. Neste caso, a palavra se apresenta com força, as imagens são pontuais mas importantes no projeto livro.

Mundo Leitura: Você tem formação em Relações Públicas, mas cursou Artes?  Quando se tornou ilustrador sabia que queria ser escritor, ou um caminho acabou levando ao outro?

André: Minha formação artística foi despertada por Badida, grande mestra em Recife. Me ensinou paciência, dedicação e generosidade. Me mostrou vários caminhos para depois seguir e eu fui. Provavelmente se eu não fosse ilustrador, não seria escritor. Minha palavra é pela imagem. Mas sou leitor e penso. Não tenho medo de arriscar e sou bastante crítico com minhas palavras

Mundo Leitura: São quantos livros publicados até agora?  Quantos escreveu, quantos ilustrou e o que ainda vem por aí?

André: Minha resposta será incompleta em muitos sentidos. Perdi a conta nos números pois sou melhor com as histórias. Lembro apenas do numero 16, mas logo virá mais um um, “Maroca e Deolindo”, depois outro, e outro, até quando durar meus pensamentos.

Mundo Leitura: Ser filho de professora e certamente ter crescido com o estímulo visual dos livros, criado numa cidade rica em tradições culturais como Recife, tudo isso ajudou a ampliar sua perspectiva literária e identificação com o mundo das imagens?

André: Sim. Tenho essa riqueza plantada dentro de mim, com raízes profundas que contribuirão com minhas novas ideias por muito tempo.

Mundo Leitura: Você disse que o reflexo que o brinquedo provoca nas crianças é o mesmo que gostaria de ver os livros despertar nelas. Como foi sua infância, o espaço da leitura e do brincar nessa fase?

André: Tenho referências do livro muito presente em minha família. Em minha casa. Fui criança em bairro humilde, chutando areia e ralando joelhos. Subia em árvores e minha corda bamba era o muro. Tinha céu aberto e horizonte. Mas a melhor brincadeira  sempre foi o desenho, nele sempre resgato toda essa poesia.

Mundo Leitura: Seu livro Sebastiana e Severina (Editora DCL), foi o primeiro que li e, a partir de então, aprendi a reconhecer seu traço a cada nova imagem. Existe no seu trabalho algo de muito impactante, personagens de olhares marcantes, cores e texturas, mistura de materiais, elementos que fazem o leitor reconhecer: “esse livro é do André Neves”. Mas ao mesmo tempo, cada livro que você escreve ou ilustra, é surpreendente e traz uma linguagem nova. Isso é proposital, essa busca pelo novo e por uma identidade visual no seu trabalho?

André: A minha identidade visual estará sempre em formação. Sou inquieto e o mundo é instigante. A arte me inspira e respiro ainda hoje grandes artistas. As grafias xilogravadas de Samico. A densidade de olhares marcantes do Reynaldo Fonseca, as cores do Cícero Dias, ousadia de Romero de Andrade Lima, a plástica expressiva de Abelardo da Hora, a técnica apurada de Badida. Todos estão em meu trabalho. Meu mar cresceu com essas fontes e hoje recebo muito mais. Mudo naturalmente para não me afogar com a arte. Imensa.

Mundo Leitura: Como as imagens chegam ao teu pensamento? Acontece de a história surgir primeiro como uma imagem e ir se desenhando a partir de então, ou você já sabe sobre o que vai escrever ou ilustrar quando mergulha no universo de um novo livro?

André:  É uma mistura muito grande. Às vezes, crio um história a partir de uma imagem, as palavras vão puxando outras, outras e outras dentro de mim. As vezes vem a palavra e ela se modifica com a imagem. Depois para o livro vem outras transformações. Ilustrar não é apenas fazer um belo desenho. Tem regras de composição e enquadramento. A ideia original se transforma, se adéqua, se modifica completamente. Ainda tem esse imagem para infância. Tão terna que pode encantar vários olhos e idades.

Mundo Leitura: Como as histórias nascem em você? É diferente quando está ilustrando ou escrevendo? Você pesquisa sobre o que deseja escrever, ou segue a intuição quando sente que uma determinada ideia ou imagem podem se transformar numa boa trama?

André: Isso depende. Algumas histórias precisam de pesquisas, outras são inteiramente ficcionais. Isso vai no desenrolar da criatividade.

Mundo Leitura: Esteticamente o que um livro precisa ter para ter atrair como leitor?  E o que mais gosta de ler?

André: O livro tem de ter uma boa trama. Gosto muito de ler contos e quando minha agenda abre espaço maiores consigo concentração para me entregar a romances sem muitas pausas.

Mundo Leitura: E o seu espaço de criar, ele existe ou o que existem são rituais da criação, do tipo músicas que gosta de ouvir enquanto desenha ou escreve, imagens e recursos que te cercam?

André: Meu espaço para criar é em casa. No meu canto que chamo de ateliê, onde prefiro, quase sempre, o silêncio.

Mundo Leitura: Lembro de ter lido, numa roda com pescadores e bordadeiras do Rio São Francisco, trechos de O Capitão e a Sereia e de Sebastiana e Severina, e de vê-los encantados com a narrativa familiar do cordel, o colorido que sentiam enquanto ouviam as palavras, mesmo sem ver as ilustrações dos livros… Uma dessas histórias foi parar no teatro e imagino o impacto dessa experiência para o público. E para você, como autor, qual a dimensão de tudo isso?
André: É incrível. Mas devo confessar que me reservo como um espectador mais íntimo. Tenho sensações mais latentes pela proximidade das obras. Mas o mérito sempre foi dos artistas que trataram a leitura com carinho e fizeram aquilo que os livros propõem, ir além. E eles foram e trouxeram coisas impressionante. Tive sorte de ser escolhido.

Mundo Leitura: Quem acompanha sua trajetória, vez por outra, lê notícias de suas andanças pelo Brasil e por outros países ministrando oficinas, compartilhando experiências com novos ilustradores, colorindo histórias de vários autores, sempre produzindo novidades. De que forma essa troca cultural retorna para o teu trabalho?

André: Aumentando meu olhar e meu imaginário. Com dimensão maiores do mundo e da humanidade. Com respeito ao ofício e buscando transformação. Sempre. Caminho para frente numa estrada pra trás. Como é lindo poder me sentir criança.

Mundo Leitura: Nesses tempos tão tecnológicos e cheios de recursos literários virtuais, com as redes sociais ajudando a divulgar iniciativas de produção e incentivo à leitura, como vê tudo isso e até que ponto esses recursos vieram para caminhar de mãos dadas com a boa leitura?

André: Sou a favor da leitura, independente do suporte. Mas a boa leitura precisa de orientação, de estímulos, de exemplos. Coisas ruins existem em todos os veículos. Precisamos ter vários filtros ligados  e saber até onde podemos chegar. Ninguém precisa ser sábio. Precisamos ser sensíveis com sabedoria. Assim é mais fácil entender o que fazemos aqui, dando espaço e respeitando as descobertas do outro. Se uma bula de remédio em determinados momentos pode ser reconfortante, porque outro suporte não pode ser?