O SORRISO

Crônica por Severino Rodrigues

Foto: Kiran Hania, de Bharuch, India, Site Pixabay

Foto: Kiran Hania, de Bharuch, India, Site Pixabay

Nem sempre a gente está com a cara boa.

Mesmo quando nos esforçamos para falar bem com todo mundo, brincar e até contar piada, tem horas que por dentro o nosso humor não está legal. Às vezes, a janela do ônibus é o melhor lugar para não se encarar ninguém. A paisagem vai passando ali fora, corre num ritmo vertiginoso que embaça e você divaga. E isso é o suficiente para esquecer aquilo que o aflige naquele momento. Foi mais ou menos num dia assim que o episódio ocorreu. Já era noite, não creio que muito tarde. E peguei um ônibus, mas não queria esperar que ele desse uma volta inteira pelo centro para então seguir ao ponto que me interessava. Decidi descer para atravessar a avenida e pegar outro. Ao saltar, em meio à aglomeração de pessoas que iam e viam, me dirigi ao sinal. Como estava fechado, ele fazia as pessoas se amontoarem a sua volta. Confusão de ambulantes, gente pra lá e pra cá, carros passando velozes, ônibus liberando o calor dos motores pelas suas rodas à altura dos narizes do povo. Em meio a todo esse clima hostil, vi um sorriso. Divertido e infantil.

Pedestres andavam rentes à calçada e no sentido contrário aos carros. Por causa disso, veio uma mulher com seu filho pendurado sobre o seu ventre. Deixa ver como posso descrever a posição do menino. Mãos em torno do pescoço da mãe e sentado sobre a barriga dela, que o segurava com as mãos entrelaçadas às suas costas, e ele, completando a imagem, enganchando seus pés atrás dela. Uns quatro ou cinco anos. Talvez bem menos que isso. Não lembro se ela seguia para pegar um ônibus ou não. Só me lembro do sorriso do garoto.

Olhava a cena inusitada da mãe que carregava seu filho, com toda aquela agitação, concordo que deixá-lo a pé não seria mesmo uma boa ideia, e ele vindo normal. Mas, ao olhar para a minha cara, instantaneamente sorriu. Foi um sorriso enorme, engraçado, mostrando todos os dentes e ainda elegantemente sem fazer careta. Não, não acho que ele tenha tido algum motivo especial para rir da naquela hora. Ao redor, não havia nada que pudesse proporcionar tal sorriso. E os olhos dele pareciam nos meus e o seu sorriso pra mim. O sorriso mais gaiato que eu já vi. E que me fez refletir.

Nada de cara feia. É para escancarar o sorriso.

A coluna Palavra Jovem é publicada quinzenalmente em Mundo Leitura, toda quinta-feira.severino2

O autor, Severino Rodrigues, é escritor, professor e mestrando em Letras pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Destaque no Concurso Rubem Braga de Crônicas da Academia Cachoeirense de Letras, publicou pela Cortez Editora, em 2013, o suspense juvenil Sequestro em Urbana.